Começa a guerra de Canudos

Novembro – 1896

Começa a guerra de Canudos. O pretexto para o seu início foi irrelevante. Antônio Conselheiro precisava de madeira para a Igreja Nova em construção e a encomendou em Juazeiro (BA). O pagamento foi antecipado, mas, no prazo estabelecido, a madeira não foi entregue. Espalhou-se o boato de que a cidade seria invadida pelos conselheiristas. O juiz local, Arlindo Leone, tinha antigas divergências com Conselheiro e resolveu estimular o pânico na cidade. Grande parte dos moradores resolveu atravessar o Rio São Francisco, refugiando-se em Petrolina (PE). Criado o clima propício, o juiz solicitou tropas policiais e foi atendido pelo Governador Luís Viana.

06 de Novembro – 1896

Parte de Salvador (BA), pela Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco com destino a Juazeiro, a 1ª Expedição Militar contra Canudos. Era composta de 113 soldados do 9º Batalhão de Infantaria, três oficiais, um médico e dois guias (Pedro Francisco de Morais e seu filho, João Batista de Morais), comandados pelo Tenente Pires Ferreira. Levava 400 cartuchos para cada praça. Ao chegar no dia seguinte a Juazeiro, a expedição encontrou uma cidade apavorada, mas os conselheiristas estavam bem longe e não planejavam nenhum ataque. Então, o juiz e o tenente decidem ir em direção a Canudos.

No dia 19, a tropa chega a Uauá (BA). O historiador Manoel Neto afirma:

Até alcançar Uauá a trôpega tropa marchou penosos 150 quilômetros. Passaram pela Lagoa do Boi, Caraibinhas, Mari, Mucambo, Rancharia, o Tenente Pires Ferreira e seus enfermiços e diarréicos subordinados. Enfrentando dificuldades no comando, porquanto estremecido com o Alferes Coelho e o próprio Dr. Antonino, o chefe da expedição cometia outros erros perigosos: exauria a tropa numa marcha não planejada e em terreno sobejamente conhecido pelo inimigo, isolava-se de apoio estratégico valioso, encaminhava-se para combater um contendor desconhecido, obscuro. Tinhosos, como depois se comprovou, os combatentes de Bello Monte espreitavam… (NETO, Manoel. De Juazeiro a Ladeira da Barra: A Inusitada Trajetória da Expedição Pires Ferreira in Revista Canudos v.1, n.1 1997 UNEB – CEEC)

21 de Novembro – 1896

No amanhecer deste dia a Expedição encontrava-se ainda em Uauá (BA), quando chegam centenas de conselheiristas entoando cânticos, tendo a frente a bandeira do Divino e uma grande cruz de madeira.

Não pareciam guerreiros
Símbolos da paz portavam,
A bandeira do Divino
E ao som de Kyries marchavam,
Levando uma grande cruz,
De longe se anunciavam.
(Zé Guilherme)

Vinham como quem vinha para reza, ou para a guerra. Foram recebidos a bala pelos sentinelas semi-adormecidos e surpresos. Era a guerra. Manoel Neto assim descreve: “Estabelecia-se, sangrento, o 1º fogo previsto pelo Conselheiro, e a pacata Uauá transformava-se em violento território de combate. O próprio Tenente Pires Ferreira descreve o ataque destacando a “incrível ferocidade” dos assaltantes e a forma pouco convencional como organizavam suas manobras, isto é, usando apitos. A celeridade e a rapidez com que a luta se deu, propiciou vantagem inicial aos conselheiristas. Adentraram ao arraial onde ocuparam algumas casas. A lógica, entretanto, prevaleceu. Armados e municiados com equipamentos mais modernos e letais, os soldados do 9º Batalhão de Infantaria impuseram pesadas baixas as forças belomontenses. A crueza do combate foi inegável, sendo que o uso de armas como “facões de folha-larga, chuços de vaqueiro, ferrões ou guiadas de três metros de comprimentos, foices, varapaus e forquilhas, sob o comando de Quinquim Coiam” utilizados em lutas de corpo a corpo produziam cenas dantescas. Foram entre quatro e cinco horas de pânico, sangue, horror e gestos de bravura e pânico. Contabilizadas as baixas de ambas as facções, os números determinavam a vitória militar das tropas governamentais. No relatório oficial, Pires Ferreira informa que pereceram na batalha, dentre as hostes conselheiristas “cento e cinqüenta, fora os feridos”. (NETO, Manoel. idem )

Passadas várias horas de combate, os canudenses, comandados por João Abade, resolveram se retirar, deixando para trás um quadro desolador.

Apesar da aparente vitória, a expedição estava derrotada, pois não tinha mais forças nem coragem para atacar Canudos. Naquela mesma tarde, saqueou e incendiou Uauá e retornou para Juazeiro, com o saldo de 10 mortos (um oficial, sete soldados e os dois guias) e 17 feridos.

Em Juazeiro ao chegarem
Houve grande confusão
O medo cresceu na mente
De toda a população
O êxodo reatado
Aumentou em proporção
(Zé Guilherme)

Pedrão, que durante o combate estava em outra missão, ao chegar em Canudos e saber que seus companheiros mortos estavam insepultos, criticou João Abade e autorizado por Conselheiro, voltou a Uauá e enterrou 74 corpos.

Em Canudos, correu o boato de que os soldados tinham sido avisados por Antônio da Mota, negociante, compadre e amigo de Conselheiro. Mas estes créditos de nada lhe valeram, pois foi morto junto com todos os homens adustos da sua família numa chacina brutal e desumana.

A derrota surpreendeu o governo e repercutiu negativamente na opinião púbica, mas no sertão aumentou ainda mais o prestígio de Antônio Conselheiro e cresceu muito a quantidade de pessoas que iam para Canudos.

29 de Dezembro – 1896

Reúne-se em Monte Santo (BA) o efetivo da II Expedição Militar contra Canudos, composta de forças federais e da polícia militar baiana, sob o comando do Major Febrônio de Brito. Depois de inúmeros contratempos provocados por divergências entre o Governador Luís Viana e o Comandante do 3° DM, General Sólon Ribeiro, que é afastado do posto por ordem do governo federal, a Expedição finalmente estava pronta para a investida. Muito mais poderosa que a anterior, era composta de 609 soldados do 9º BI (Salvador), 33º BI (Alagoas) e do 26º BI (Sergipe), 10 oficiais, 1 médico, 1 farmacêutico, 1 enfermeiro, 2 canhões Krupp e 3 metralhadoras Nordefelt. Um clima de euforia e festa patrocinado pelas autoridades locais contagia toda a tropa e a confiança numa rápida e esmagadora vitória era tanta, que resolveram deixar na cidade 2/3 da munição, por considerá-la desnecessária.

12 de Janeiro – 1897

Neste dia, em que parte de Monte Santo em direção a Canudos a Expedição Febrônio de Brito, Antônio Conselheiro conclui em Bello Monte suas prédicas em um volumoso livro intitulado Tempestades que se Levantam no Coração de Maria por Ocasião do Mistério da Anunciação, obra manuscrita que contém pensamentos e discursos sobre religião, monarquia, república e escravidão. Auxiliava-o escrevendo, Leão de Natuba, uma espécie de secretário que também tinha boa caligrafia. Este livro ficou inédito durante 77 anos e teve sua publicação organizada por Ataliba Nogueira (NOGUEIRA, Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos. Revisão Histórica. São Paulo, Editora Nacional, 1974).

18 de Janeiro – 1897

Logo cedo, a Expedição Febrônio de Brito atravessava a Serra do Cambaio quando foi surpreendida por forte emboscada. Houve um grande corre-corre em meio à fuzilaria. O pleno conhecimento do terreno proporcionava aos sertanejos, uma melhor posição de tiro, causando muitas baixas entre os soldados. A luta durou mais de cinco horas, quando finalmente a força militar prevaleceu e avançou, deixando muitas perdas entre os conselheiristas. Ao fim da tarde, a expedição acampou à beira da Lagoa do Cipó. Na manhã seguinte houve um novo ataque, desta vez mais compacto e direto. Sem o abrigo das serras e rochedos, conselheiristas e militares muitas vezes lutavam corpo-a-corpo, no terrível confronto dos punhais.

No final do combate, inúmeros corpos restavam estendidos no chão, a maioria de conselheiristas.
A lagoa tinha mudado de cor e de nome, desde então passou a se chamar Lagoa do Sangue.
A expedição não teve mais condições de prosseguir no seu objetivo que era atacar Canudos. Estava arrasada e foi obrigada a um recuo lento e penoso, trazendo consigo um saldo de 10 soldados mortos e 70 feridos. Na volta, os soldados, maltrapilhos, com fome e arrastando consigo os feridos e os canhões, percorreram parte do caminho fustigados pelas emboscadas ardilosas organizadas por Pajeú.

31 de Janeiro – 1897

Machado de Assis, que tinha uma coluna no jornal Gazeta de Notícias, neste dia escreve: “Protesto contra a perseguição que se esta fazendo a Antônio Conselheiro”. Era uma das poucas vozes contrárias à opinião pública brasileira que exigia novas medidas repressivas contra Canudos após a derrota de duas expedições militares.

07 de Fevereiro – 1897

Parte de Salvador com destino a Queimadas, a III Expedição Militar contra Canudos, a mais famosa de todas. Depois de dois grandes fracassos militares das expedições anteriores, ela tinha a responsabilidade de “lavar a honra” do Exército, seguindo equipada com seis canhões Krupp e mais de 1.300 soldados conduzindo 15 milhões de cartuchos. No comando estava o temível Cel. Moreira César, apelidado de “corta-cabeças” devido a sua atuação na repressão ao movimento federalista no sul do país (1893-95). Era grande a confiança na vitória e logo ao chegar em Queimadas, o Cel. Moreira César telegrafou ao Governador Luís Viana dizendo: “só temo que o fanático Antônio Conselheiro não nos espere”. Dias depois em nova mensagem reafirmava: “só receio a fuga dos fanáticos”. Nada atemorizava Moreira César, nem mesmo os 2 ataques de epilepsia que sofreu logo nos primeiros dias no Sertão.

De Queimadas segue para Monte Santo e em 22 de fevereiro, parte para Canudos. Ao passar pelo Cumbe (atual Euclides da Cunha) manda prender e humilhar o Padre Vicente Sabino por este manter relações amistosas com Conselheiro.

03 de Março – 1897

A III Expedição Militar avista Canudos. O Cel. Moreira César euforicamente grita para os seus homens: “Vamos tomar Canudos sem disparar mais um tiro… à baioneta”. Ao contrário do anunciado, o ataque começa com a artilharia entrando em cena, num fogo cerrado de canhões, seguida de forte investida dos soldados que conseguem ocupar algumas áreas periféricas do Arraial. A reação veio como uma tempestade de tiros partindo dos defensores alojados em casas, becos e nas torres das igrejas. A cavalaria entrou em cena, mas no terreno acidentado, foi ineficaz e tornou-se alvo fácil. Com o passar das horas, mesmo com o apoio da cavalaria, o entusiasmo inicial das tropas arrefece e o confronto se reverte francamente favorável aos conselheiristas. No final da tarde, as baixas militares eram grandes e o inesperado acontece: o Cel. Moreira César é atingido por dois tiros e fica fora de combate. Não havia mais chances para a força expedicionária. Às 19h é anunciado o toque de retirada.

04 de Março – 1897

Durante a madrugada, morre o Cel. Moreira César e assume o comando o Cel. Tamarindo. Logo pela manhã bem cedo, a expedição inicia o caminho de volta. Tudo era como se fosse um pesadelo que ainda não havia terminado, pois Pajeú, um dos principais chefes guerrilheiros de Canudos, liderava seus companheiros em emboscadas que causavam pânico em toda a tropa, transformando a retirada numa debandada geral. O Cel. Tamarindo é atingido mortalmente e o Major Cunha Matos, que assumiu o comando, afirmou em seu relatório oficial: “logo notei certa cobardia por parte das praças em geral (…) a guarda avançada e outras muitas praças abandonavam seus postos, e corriam pela estrada fugindo”. Era o trágico fim de uma expedição vingadora que teve um saldo de 116 mortos, inclusive 13 oficiais, e 120 feridos.

05 de Abril – 1897

É publicada a Ordem do Dia, criando a IV Expedição Militar contra Canudos. Após a surpreendente derrota da III Expedição, a opinião publica estava histérica e exigia medidas drásticas do governo para uma rápida solução do conflito. Organizou-se então, a maior de todas as expedições, formada por tropas de 17 Estados (BA-SE-PE-PB-AL-RN-PI-MA-PA-ES-MG-SP-RJ-RS-AM-CE-PR), equipadas com os mais modernos armamentos da época. O efetivo militar era composto de seis Brigadas, divididas em duas colunas que investiriam sobre Canudos por direções opostas, sendo o comandante central o General Artur Oscar.

A 1ª Coluna, sob o comando do Gal. Silva Barbosa sai de Queimadas e passa por Monte Santo, composta de 3.415 homens, 180 mulheres, 12 canhões Krupp e 1 canhão Withworth 32. Na retaguarda, protegendo 750 mil quilos de mantimentos e munições, seguia o 5° Corpo de Polícia da Bahia, destacamento formado por 388 jagunços contratados no interior do Estado. A 2ª Coluna sob o comando do Gal. Cláudio Savaget, parte de Sergipe em tropas isoladas, se agrupando em Jeremoabo (BA), de onde segue para Canudos, composta de 2.340 homens, 512 mulheres e 74 crianças, inclusive duas nascidas durante a marcha.

09 de Abril – 1897

Aporta em Salvador a 1ª Divisão Naval de apoio as operações militares de Canudos. Composta de 5 navios de guerra, os cruzadores 15 de Novembro, Trajano, Andrada, Timbira e Paraíba e o Patacho Caravelas. Era a Marinha, também participando da guerra de Canudos.

28 de Junho – 1897

Depois de várias semanas de marcha, travando combates, a 2ª Coluna da IV Expedição encontra-se em posição privilegiada de ataque a Canudos, já tendo iniciado o bombardeio, quando o Gal. Cláudio Savaget recebe ordens do General Comandante Artur Oscar para socorrer a 1ª Coluna que estava em situação desesperadora, com munição esgotada e envolvida pelas emboscadas organizadas por Pajeú, que magistralmente liderava seus “guerreiros invisíveis” encurralando toda a Coluna no Alto da Favela. Savaget altera seus planos e imediatamente segue ao encontro da 1ª Coluna, salvando-a de uma derrota fragorosa.

29 de Junho – 1897

Explode o canhão Withworth, o célebre 32, trazido pela IV Expedição puxado por 13 juntas de bois e apelidado de “matadeira”, devido ao imenso estrago que provocava no meio conselheirista. Este acidente provoca a morte de dois oficiais e o ferimento de quatro praças.

01 de Julho – 1897

Um grupo de 11 guerrilheiros conselheiristas, liderados por Joaquim Macambira Filho, investe contra a artilharia do Exército na tentativa frustrada de destruir os canhões que bombardeavam Canudos. Esses ataques, heróicos e suicidas, cada dia tornavam-se mais freqüentes.